Mas eu não queria passar por ali. Essa rua é muito escura e essa casa da esquina me dá arrepios.
Fui andando lentamente, tentando ensurdecer os meus passos para que eu passe sem ser percebido. Mas, quando eu estava exatamente em frente à casa, à aquela casa, ouvi um grito horrendo de dor. Algo que vinha de lá de dentro. Apertei o passo, acelerei o meu caminhar. Quando vi, já estava correndo. Mas parei. Parei e pensei “é alguém, certamente, precisando de ajuda. Não posso deixar que um medo de algo que não existe possa me impedir de ir ajudar.”
Volvendo em direção à porta, franzindo a testa, abri a porta que não estava trancada, apenas encostada. Entrei lentamente, tentando manter o silêncio. Mas a porta, pesada, soltou-se de minha mão, batendo e fazendo um barulho ensurdecedor.
A casa tinha o aspecto de bem velha. Bem antiga. Móveis com lençóis, espelhos e vidros quebrados... Inclusive os das janelas. Poeira. Muita poeira... Poeira por toda parte...
Os gritos que eu ouvia lá de fora, agora, vinham da cozinha. E ficavam cada vez mais horripilantes, fazendo-me arrepiar a nuca, pernas e braços. Continuei seguindo lentamente... E, ao me posicionar à porta da cozinha, vi uma mulher de costas, como quem estivesse preparando algo, cortando sobre a pia e resmungando bizarramente, não dava pra entender. E, quando eu ia dizer algo a ela, ouvi um barulho estranho vindo da sala que eu acabava de deixar... Voltei. Um homem – muito bem vestido – quebrava pratos, copos e taças... E parou. Parou, olhou bem fundo em meus olhos, como quem observava minha alma. Sussurrou: - Corra!
Logo após dizer essa única palavra, ele simplesmente sumiu na minha frente... Como água que evapora... Voltei, então, em direção a cozinha. Ela não estava mais lá. Ele estava. Sentado sobre a pia, segurando algo. Disse murmurando: - Seu tempo está acabando...
Ele se levanta, me entrega uma foto. Uma foto muito antiga, uma foto de família... Era fácil reconhecê-lo. Ele era o patriarca. A mulher da foto parece a da cozinha... Eu a vi apenas de perfil, não tinha como ter certeza. Havia, ainda, duas crianças na foto. Duas garotinhas. Provavelmente, filhas do casal. Engraçado... Todos sorriam...A não ser a mulher... Ao olhar para frente, para devolver a foto, ele já não estava mais lá. A pus no bolso e saí rápido dali. Estava louco pra sair daquele lugar tão macabro.
Tremi. O medo tomava conta de minha espinha e a fazia fria. Congelante, eu diria. Corri para a porta, tentei sair, mas, quando abri a porta, não havia a saída. Era como se outra sala fosse aberta. Uma sala bem grande. Mas tenho certeza de que foi a porta pela qual entrei. Eu tenho certeza. Desesperei-me, corri, procurando outras portas... Quartos, quartos e mais quartos. Quando abri uma das portas, mais um quarto... Mas esse era diferente, ele estava sentado sobre o criado mudo. Olhei para ele, e fui a sua direção... A porta se fechou. E ele disse:
- cuidado. Ela...
- Por que deveria ter cuidado?
Ele aponta para dentro do criado mudo e sai de perto... Abro a primeira gaveta, tem uma faca. Uma faca pequena, mas e corte bem afiado.
Ele se dirige para a porta, como quem vai embora... Suas costas... Sua roupa estava cortada... Sangue por todas as partes de suas costas... Um sangue sujo, coagulado, como se, há anos, estivesse cortado...
Ele continua andando... Atravessa a porta - sem abri-la...
Saio daquele quarto assustado, abro a porta, e fujo... Procuro a porta certa... Correndo, como um louco, abrindo todas as portas possíveis... Em outro quarto, vi duas crianças brincando... Duas garotinhas... Cheguei um pouco mais perto... Os seus vestidinhos estavam com marcas de que foram queimados... Olhei para o rostinho delas... Meu deus... Elas estavam coberta por cinzas, com a pele toda queimada... E brincavam, como se não houvesse a dor... Elas sorriam... Olhei para o resto do quarto... Cinzas e mais cinzas... Elas me olhavam e apontavam para o armário... Eu não queria ver mais nada...
Fugi... Gritei muito, passei por outra sala. Havia um balcão... Agora eu tinha a certeza de que se tratava de uma pensão. Ouvi a voz daquele senhor novamente... Eu não o via... Mas ele dizia: - Ela está chegando...!
Eis que então, atrás do balcão... Ela já com outra roupa, também coberta por cinzas e com a roupa tosquiada, olha pra mim. Ela atravessa o balcão... se aproxima... Os pavores, o pânico, fazem com que eu não consiga me mexer... Ela se aproxima... Seus olhos têm a cor de raiva... E a sua boca sorria... Fechei os olhos, gritei muito, tapei o meu rosto com os braços. Até sentir aquela mão gelada sobre mim, tentando fazer com que eu tirasse minhas mãos sobre os meus olhos... E conseguiu...
Mas, quando eu olhei, era um senhor me oferecendo ajuda... Olhei para os lados, eu estava no meio da rua... Ainda era aquela rua, e era em frente àquela casa... Levantei-me com dificuldade, agradeci ao senhor que me ajudara. De certo, foi tudo da minha cabeça... De certo, o vinho trabalhou bem sobre mim... E segui em direção à minha casa...
Estou em frente a minha casa agora... E fiquei assustado... Quando coloquei a mão no bolso para pegar as chaves, pois senti um papel... Quando eu o tiro... Uma foto antiga de família... Um homem, uma mulher e duas garotinhas... Todos choravam... E só a mulher sorria...
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