Como eu poderia imaginar? Meu sonho sendo realizado logo ali. Sempre fui o melhor zagueiro da escola. Foi em meio a uma partida contra o pessoal da rua de cima que ele apareceu. Terno cinza, camisa azul e o sapato muito bem engraxado. Ele dizia que eu era o melhor jogador do bairro e que, no futuro, poderia ser muito rico e ajudar toda a minha família.
Chego em casa e logo conto aos meus pais. Ele era representante de um grande clube estrangeiro de futebol. Dizia que o time tinha um ótimo campo de treinamento, com a melhor estrutura para cuidar de seus atletas até que fossem mandados para o time principal – fora do país.
Não sei se fui eu ou o gordo cheque que deixou em posse de minha mãe, mas concordaram que seria ótimo para o meu futuro. O senhor de terno ainda frisou que o clube era rico e que qualquer correspondência pedindo dinheiro seria falsa. O que deixou minha família ainda mais tranquila.
Uma semana arrumando as coisas, fomos num lindo avião – primeira viagem de avião, já com quatorze anos. Poucas horas até o destino e um luxuoso carro nos esperava. Tinha de tudo dentro desse carro, até TV. Quase não acreditei quando chegamos. Um lugar lindo, com várias piscinas e um gramado bem verde. Ele me levou até onde será o meu quarto e, com um forte abraço, desejou-me boa noite e disse que os treinos começariam pela manhã. O quarto era um sonho. Eu tinha TV e uma geladeira só pra mim.
Quando o sol nasceu, alguém bate à porta e me guia até o vestiário. Cerca de trinta garotos tomando banho e comentando como será o treino. Diziam que sentiam a falta de um bom zagueiro, já que o que jogava com eles tinha sido convocado para o time principal, fora do país. Eu não conhecia ninguém, então, não disse nada.
Todos prontos e, logo no primeiro dia, deram-me o colete de titular. Todos estranharam. Tomei minha posição e viram que eu seria o novo zagueiro. Vencemos o jogo e, em poucos dias, os garotos já diziam que o antigo zagueiro não fazia mais falta.
No vestiário, após algumas de nossas vitórias, sobre o time reserva, todos comentavam que o antigo zagueiro tinha se dado muito bem e, que o sonho de todos ali era ser chamado para o time principal. Todo mês, um jogador era chamado e outro era contratado pelo “olheiro”.
Seis meses depois, jogando o melhor que poderia e vendo meus amigos sendo enviados para o time principal, chegou a minha vez. Lembro-me como se fosse ontem – um senhor careca, com uma prancheta na mão. Nem acreditei quando o ouvi dizer o meu nome completo.
Fui levado para a sala do chefe. Ele era horrível. Um senhor bem magro, com um chapéu de vaqueiro e uma fivela enorme. O careca me deixou lá com ele e percorreu o logo corredor de volta para o vestiário.
Nisso, aquela figura medonha se levanta e me oferece balas. Neguei e disse que não gostava de doces. Ele sorri, aproxima-se da geladeira – enorme para aquele escritório – tira um tipo de salgado e diz que foi feito com uma carne bastante especial. Comi e fiquei maravilhado com sabor. Ele me chama para jantar, no escritório tinha uma bela mesa posta para três. Outro empresário chega, Põe o guardanapo no colo e elogia minha forma física. Eles me olhavam de uma maneira estranha. Olhos brilhantes e bocas banhadas em saliva. Um delicioso Strogonoff é servido. Comi demais, como há muito não o fazia. Já o vinho que ofereceram, eu só fingi beber, pois não gosto de álcool. Disseram que eu teria uma noite muito especial, já que seria a última com eles.
Uma limusine me esperava logo após o jantar e me levou para uma casa enorme. O motorista disse que me pegaria ao amanhecer, para me levar ao aeroporto.
Entrei naquela casa e fui conhecê-la. Com móveis modernos e de muito bom gosto, liguei a TV gigante e fui até a cozinha. Comi um pouco de um salgado de carne e adormeci na sala, em frente ao programa de esportes que passava naquele horário.
Acordei com passos chegando perto de mim. Embora meio sonolento, olho e vejo que é o chefe que se aproxima com aquele empresário. Eles me olhavam e perguntaram o que eu fazia acordado. Eu pedi desculpas, ainda estava cansado, pois ainda era madrugada. Eles me levaram para o quarto, fecharam a porta ao sair, mas os ouço comentando:
- Ele não tomou o vinho?
- Tomou, eu vi.
- Então, vamos ter que fazer como fazíamos antigamente.
- Temos que nos cuidar para que a carne não fique dura.
Não entendi esse último comentário, mas vi que tinha que sair dali o mais rápido possível. Abri a porta vagarosamente, eles estavam de costas, ao fim do corredor. Era a única saída, eu tinha que passar entre eles. Aproveitei-me a ótima forma física e da experiência como zagueiro, corri o máximo que pude, batendo no mais magro (claro!), derrubando-o violentamente. Eles me perseguiam, mas não conseguiam me alcançar, porém, toda a casa estava trancada, ano adiantava correr o tempo todo. Cedo ou tarde, eu me cansaria. Corri em direção à cozinha, procurei um lugar pra me esconder. Passando pela cozinha, passando pela dispensa, tinha uma porta de metal. Abri e entrei. Ao acender a Liz, vi o que parecia um açougue. Facões, cutelos e outras lâminas. Abri o que parecia ser um freezer e entendi tudo. Pernas, braços, mãos...
- Você gostou do Strogonoff, filho? – eles gritavam por de trás da porta trancada de metal.
Quando ele me perguntou isso, tive uma vontade incontrolável de vomitar. E ali, eu fiz. Vomitei e chorei por horas. Eu sabia que eles ainda estavam atrás da porta. Munido de facão e cutelo, resolvi sair. Limpei o rosto, franzi a testa e abri a porta. O cutelo partiu o crânio do primeiro que eu vi, já o facão, encontrou os órgãos da região da barriga daquele empresário. Ainda com o rosto controlado, fui até a saída, desmontei a fechadura e fui embora. Procurei a delegacia mais próxima e contei tudo. O que acabou com o esquema do milionário canibal.
Hoje, já adulto, tenho minha própria agência. E sempre que eu tenho que, por algum motivo, despedir um funcionário, eu tenho a minha noite especial com o meu Strogonoff favorito.
Nossa, amor, esse ficou doido demais!!! Putz! Pirei pro final! Parabéns!
ResponderExcluirBjos