Eu pensei ter arrancado o cabo do telefone para que ninguém me incomodasse no domingo de manhã. Entretanto, o telefone tocou. Levanto-me sonolento para atendê-lo. Era um amigo de infância, já não o via há alguns meses, mas era um grande amigo. Sua voz estava estranha, a impressão era a de que seu queixo batia de frio. Eu perguntei se estava tudo bem, e ele respondia “agora está!”. Ele me disse coisas lindas, lembramos da nossa infância, quanta travessura... Ele me chamou várias vezes de melhor amigo. E, de fato, ele também era o meu melhor amigo. Já o conheço há mais de vinte anos, e isso é muita coisa quando se tem menos de trinta. Ele dizia: - Liguei para me despedir! – achei estranho, ele sempre morou nessa cidade, e me criticou quando eu disse que eu sairia. Perguntei por onde ele estava e ele respondeu que estava num lago. Dizia que gostava muito de mim, que eu seria a única pessoa de quem ele se despediria. Pediu-me desculpas por tudo que havia feito, coisas de criança, eu nem me lembrava mais. Dizia que tinha sido ele que quebrara o meu taco de “Bete”. Mas não havia o que ser desculpado. Isso aconteceu há tanto tempo. Dizia também que ficaria com muita saudade, posto que eu seja o seu maior elo com o próprio passado. Ele disse que me esperaria por lá, mesmo quando falei que não poderia ser por agora, já que meu trabalho está bem pesado, e não tenho nem previsão de férias. Ele aceitou e disse, ao desligar, que me amava como a um irmão. Curioso, fazia muito tempo que não nos falávamos. Mais curioso ainda, ao soltar o telefone, lembrei-me de que havia sonhado com ele essa noite.
Peguei o jornal na soleira da porta e fui tomar o meu café. É assim que faço todos os domingos. Coloquei o leite na caneca e esperei a cafeteira fazer o seu serviço. Abro o jornal, uma foto me chamou muito a atenção e li a matéria. Aquele nome, eu não acreditei... O artigo descrevia um acidente que houve. Um carro foi encontrado bem ao fundo do Lago Cristal. O carro tinha um corpo dentro. Eles foram retirados durante a noite de ontem. O corpo foi reconhecido pela mãe, eu me assustei e deixei a caneca de leite cair ao chão. Era o nome dele.
Corri para o telefone, para tentar falar com a mãe dele... Mas não dava linha... O telefone falhou... Fiquei desesperado... Até que eu percebi... Eu realmente havia desconectado o cabo do telefone antes de dormir...
Nenhum comentário:
Postar um comentário